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O que fazer quando tudo parece estar perdido?

  22 de Setembro de 2023

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Em alta no Brasil, recuperação judicial deve estar apoiada em plano factível, estruturado e com comunicação eficiente.

 

Com a intensificação da crise no varejo e o aumento significativo dos pedidos de recuperação judicial no Brasil no ano de 2023, uma famosa estatística vem à mente, para desespero dos empresários brasileiros: apenas 5% das empresas que pedem recuperação judicial realmente superam a crise e retomam suas atividades regularmente.

 

A análise desse inquietante dado sugere que as empresas têm utilizado o instituto da recuperação judicial de forma equivocada e/ou que a recuperação judicial no Brasil é ineficiente. Mas uma coisa é certa: a recuperação judicial está longe de ser a tábua de salvação das empresas em crise. Como é sabido, trata-se de um processo caro e complexo, que se não for muito bem estruturado e conduzido por profissionais especializados, contribui exatamente para o que se pretende evitar, isto é, a falência. 

 

A recuperação judicial é, sim, um direito de empresas em crise e deve ser usada com consciência, expertise e boa comunicação, acompanhada de estratégias de negociação e medidas eficientes de gestão. Por outro lado, deve ser evitada se houver alternativas mais brandas e adequadas à realidade da empresa, tais como negociações individuais com credores e recuperação extrajudicial. 

 

O que realmente se pretende abordar neste artigo é: independentemente da medida jurídica a ser indicada por especialistas do direito falimentar — e que depende de diversos fatores tais como a estrutura da dívida —, o que cabe aos administradores de empresas em crise fazer quando tudo parece estar perdido?

 

Um dos pilares fundamentais em um momento de crise, muitas vezes negligenciado, é o da comunicação. Criar um plano de comunicação eficiente deve ficar a cargo da alta liderança e pontos de risco devem ser informados ao comitê de crise constantemente.

 

A comunicação deve ser eficiente e constante, buscando trazer transparência e confiança ao processo de reestruturação, especialmente a credores financeiros, clientes, fornecedores estratégicos e colaboradores em geral (empregados ou não). O acompanhamento da situação por cada um desses interessados é imprescindível para resgatar a confiança naturalmente abalada. Dar importância a esse processo se ampara fortemente na teoria econômica, que mostra que falhas de comunicação levam sempre a um resultado desvantajoso para os envolvidos.

 

Outro relevante ponto de atenção que costumeiramente as empresas falham é acreditar que a reestruturação financeira, por si, é suficiente para tirar a empresa da situação adversa. O problema de liquidez é normalmente o sintoma mais agudo de um acúmulo de más decisões de investimento feitas no passado, que não vieram acompanhados de ajustes operacionais necessários ao longo do tempo. Portanto, para evitar o indesejado colapso e sair fortalecido desse período de crise, o empresário deve ter em mente a necessidade de realizar, paralelamente à reestruturação financeira, uma reestruturação operacional abrangente que faça a empresa voltar a gerar valor de forma recorrente e sustentável.

 

A geração de valor, por sua vez, deve estar apoiada em três frentes que norteiam os administradores sobre o que fazer e o que não fazer. 

 

A primeira delas é deixar de fazer o que destrói valor. Desistir de iniciativas que destroem valor depende exclusivamente da decisão da administração e, muitas vezes, esbarram em interesses e paradigmas que precisam ser quebrados em um momento de crise. Como exemplo podemos citar o fechamento de unidades de negócio, a descontinuação de linhas de produtos e o encerramento de contratos deficitários. Tais medidas podem contribuir significativamente para aliviar a pressão no caixa da empresa.

 

Nesse ponto, cuidados devem ser tomados com relação à identificação da margem real de unidades de negócio, produtos e contratos. Critérios equivocados de alocação de despesas podem levar à tomada de decisões que agravarão a situação ao invés de melhorá-la.

 

A segunda frente que os dirigentes devem focar é priorizar ou melhorar o que aquela sociedade empresária já faz bem. Todas as empresas têm atributos que a tornaram relevante no mercado e que podem ser reforçados para gerar resultados no curto prazo. Identificar tais atributos e colocá-los a serviço da recuperação dos negócios pode ser feito através de um mapeamento de rápida implantação. Para tanto, deve-se estar atento ao que as camadas operacionais da empresa trazem como oportunidades, conversando com lideranças intermediárias a fim de elaborar um grande mapa de oportunidades. 

 

Evidentemente, nem tudo é possível realizar num ambiente de crise, dado o tempo e recursos exíguos. Por isso, recomenda-se um método de priorização, contrastando a geração de caixa potencial das ações e sua complexidade para implementação de fato. 

 

O terceiro grupo de medidas a serem levantadas é: começar a fazer o que a empresa não faz e que gera valor. Através da comparação da empresa com seus pares no mercado – benchmarking – pode-se identificar ações e processos de trabalho que a empresa não executa e que seriam geradores de valor. Nesse sentido, a mobilização dos profissionais da empresa é essencial. 

 

Contudo, como já abordado nesse artigo, em ambientes de crise, comumente há falta de transparência e falhas de comunicação, que levam à apatia e conformismo de colaboradores. Líderes não habituados à situações adversas extremas podem atrasar a tomada de decisões necessárias, como por exemplo adequação de quadros de funcionários, negociações mais exigentes com fornecedores e rompimento de contratos com clientes. 

 

O envolvimento das pessoas certas no processo de reestruturação pode representar o sucesso ou o fracasso no soerguimento e, nesse momento, o gestor de recursos humanos ganha protagonismo na escolha dos profissionais que atuarão junto às demais lideranças da empresa e deve ser avaliado na sua capacidade de gestão em momentos de crise. Muitos líderes sucumbirão, mas outros surgirão. Provavelmente a empresa passará por um processo de trocas de liderança no período. Não hesitar em fazê-los sempre que necessário é crucial.

 

Isso posto, resta um ponto fundamental, pois não se ignora a conveniência de dinheiro novo: processos de reestruturação geram custos adicionais antes de trazerem os resultados planejados. Quais alternativas existem para financiar esses custos? Canais financeiros tradicionais normalmente se fecham e surge a necessidade do contato com fundos especializados no financiamento de empresas em crise. O mercado de distressed assets tem crescido substancialmente no Brasil nos últimos tempos, dado um contexto de maior segurança jurídica pra tais instituições.

 

Além dos recursos que vêm de fora, a empresa muito provavelmente precisará contar com clientes, fornecedores e funcionários para conseguir honrar seus compromissos. O alongamento do prazo de pagamentos para fornecedores, antecipações de pagamentos por clientes e parcelamento de salários (mediante negociações com sindicatos) só são possíveis em um ambiente com a confiança reestabelecida através de comunicação clara e transparente, como se tem insistido no presente artigo. 

 

O discurso dos líderes da companhia deve estar alinhado com um plano factível e estruturado, que demonstre através de números que o compartilhamento de prejuízos de forma temporária, a flexibilização de condições de pagamento, incluindo transações tributárias, e a perda de alguns empregos se dará em benefício da continuidade sustentável das atividades e preservação da fonte produtora, de modo que o endurecimento das negociações pode ser o grande responsável pela inviabilização da empresa. 

 

Ambientes de reestruturação são complexos e exigem capacidade de gestão que, na maioria dos casos, inexiste dentro de casa. Mapeamento, fundamentações, negociações, escolhas, implementações e controle de iniciativas simultâneas exigem metodologia própria e experiência.

 

Quando tudo parece estar perdido, contar com ajuda especializada fará toda a diferença, devendo-se evitar, contudo, soluções fáceis que ignorem a complexidade da real transformação.

 

fonte: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-que-fazer-quando-tudo-parece-estar-perdido-22092023


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